DIALOGANDO SOBRE UM GRANDE AMOR - Conto



    — Amigo! Me desculpe a hora; mas, mais uma vez; estou precisando conversar; hoje foi um daqueles dias!... E a noite está sendo uma daquelas!... Meu coração parece sangrar! Minha alma grita... se contorce dentro do meu corpo, a minha cabeça ferve... meu cérebro ao mesmo tempo que se agita... se paralisa! Essa  inconformação... essa inaceitação... me consomem! Nada me consola! Que dor amigo, que dor!... Que mal causa a perda de um grande amor!!!
     — Vejo que você está realmente muito mal, mais uma vez e percebo o quanto necessita desabafar... estou a todo ouvidos, porém, desde já, quero expressar minha preocupação com esse seu constante estado morbígeno! Me desculpe, mas, de todas as palavras que eu poderia usar para nomear o que se passa com você, o que vive, essa é a que melhor cabe. Sim amigo; morbígeno é o termo que melhor retrata o meu estado; é o que define a minha condição; é o que melhor me define!
     — Sabe; raro é o dia em que eu não tenho que fazer um esforço imenso para sair da cama; quase sempre, a minha vontade é de não acordar! E quando chega a noite, muitas vezes, não quero dormir, porque sei que enquanto durmo, estou como que sob efeito de anestesia, contudo, no dia seguinte, ao me acordar, mesmo antes de abrir os meus olhos, pois, basta olhar para dentro de mim, vejo que tudo não apenas continua igual, mas, pior, o meu martírio aumenta, a cada dia, a cada acordar!
    — Já se passou tanto tempo; contudo, passam-se os anos e não consigo superar!... Não consigo esquecer, esse amor; não consigo viver, sem esse amor! Viver na verdade tem sido penoso; um suplício, uma espécie de condenação!
    — Você tem toda a minha empatia;  me compadeço de suas persistentes agruras, sei o quanto é legítimo esse seu padecer, até peço que me perdoe a sinceridade, mas, diante do flagelo que vive, eu preferiria jamais ter experimentado o amor, a estar no seu lugar! Não se ofenda! Mas, fico refletindo sobre essa sua prolongada situação e a comparo a uma grave doença sem cura!
    — Contudo, como acontece na maioria das histórias de amor, certamente você viveu momentos incríveis, felizes, só que a intensidade da dor que sente, parece anular o quanto foram significativos, nem as lembranças dos bons momentos vividos junto a pessoa amada, lhe trazem conforto, amenizam o sofrimento causado pela sua perda. Porém, você já parou para pensar que a sua história, que tanta dor lhe causa, assemelha a tantas que viraram e viram aplaudidas peças de teatro, grandes filmes e romances que levam quem os assiste e lê, às lágrimas e suspiros?! Que fazem leitores se sentirem em êxtase e  declarar estarem de almas lavadas após mergulharem nessas histórias?! Expectadores e telespectadores saírem das salas de teatro e cinema enxugando os olhos e dizendo que foi lindo?! 
       — Olhe, depois de tanto tempo vendo você desse jeito, sem conseguir lhe ajudar, embora eu tente; 
eu penso que a exemplo do que fazem  inúmeras pessoas para sobreviverem a grandes sofrimentos e perdas, você deveria tentar se reinventar; a sua história, é uma daquelas que se tornam sucesso de público e crítica! Ela é a que tipicamente todos chamam de uma linda história de amor! É por si só um belo roteiro, daria um belo filme, um grande romance e você mesmo tomar a iniciativa de transformá-la em uma obra dessas, eu creio que lhe ajudaria.
      — Amigo, eu agradeço muito, por poder contar com você, por ouvir as minhas lamúrias sempre que não consigo suportar o meu desconsolo!... E agradeço a sua preocupação, a sua intenção em tentar fazer com que eu fique bem, ou, me sinta  melhor, sofra menos; mas, todo amor não vivido em sua totalidade, intensamente; toda história sofrida, de amor, apenas é bonita, para quem a lê, para quem a vê, a ouve, a assiste; jamais para quem a vive, para quem dela padece, ou seja, para quem, com ela sofre!
     — Os leitores, os espectadores e os telespectadores que choram com histórias como a minha amigo, choram um choro muito diferente do pranto dos que as protagonisam,  pois, embora se comovem com elas, são alheios a elas, a dor por elas causadas em seus protagonistas; enquanto esses pranteiam com uma emoção que apesar e em meio às lágrimas também os fazem simultaneamente sentirem um grande gozo diante do que leram, ou lêem, viram, ou vêem, do que assistiram, ou assistem; nós, os personagens principais delas, choramos por uma amargura profunda na alma, no coração, no (mais) íntimo do nosso ser! Eles, ao mesmo tempo que choram, como já disse sentem um gozo, é legítimo que seja assim, de certa maneira, essas histórias são para alguns, um afago; todavia, para quem as vive, elas são uma tortura, são os piores e os maiores algozes que alguém pode ter!
    — Toda grande e dolorosa história de amor, amigo, parece exercer sobre quem de fora delas, as conhece e de alguma maneira tem contato com elas, verdadeiro fascínio, ao contrário do que acontece com os seus próprios donos, sobre esses, elas exercem algo insanamente doloroso; enquanto os que se emocionam com elas, os que se encantam e dizem que elas são lindas, se sentem até mais vívidos, seus protagonistas, eu até diria, suas vítimas, se sentem como moribundos!

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